Mr. Domingues

Sempre ouvi que escrevo demais, e-mails longos, cartas intermináveis para namoradas, nunca consegui usar Post-it, enfim, bem ou mal eu gosto de escrever. A intenção é que isso aqui sirva como uma "descarga mental" onde comento fatos, acontecimentos e pensamentos, na verdade, tudo que me der vontade. Sabe quando se vê um filme, lê um livro ou algo no jornal e ficamos com vontade de discutir com alguém sobre o assunto? É pra isso que esse espaço serve, assim eu incomodo menos quem está à minha volta e começo a incomodar anônimos internet afora que queiram ser incomodados. Mas é claro que não vou fugir muito dos meus hobbies, interesses pessoais e profissionais, como saúde, atividade física, esporte, tecnologia e música.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Meu acidente na Serra.

Eu estava em Gramado, trabalhando pesado na organização do VIII Congresso Brasileiro de Atividade Física e Saúde. A previsão era ficar em Gramado de terça a sábado e no sábado de noite, após encerrar o evento eu iria para Osório fazer um triathlon olímpico (agora chamado de Standard) no domingo de manhã.
Como eu vinha trabalhando muito para esse evento nos últimos meses, o treinamento estava em baixa, mas eu queria pelo menos fazer a prova pra ter direito à bonificação de pontos e tentar fechar o ano entre os 5. Tinha intenção de dar umas corridinhas e pedalar umas 2-3 vezes nessa semana em Gramado. E como o Felipe Fossati também estava no evento, iríamos treinar juntos. Pelo menos eu iria tentar andar com ele nos morros.
Como a função do evento ia quase sempre das 8-20h e depois tínhamos jantares com os palestrantes, achar horário para os treinos era difícil. Nosso primeiro treino foi combinado para a manhã de quinta-feira. Saímos 6 da manhã do Hotel Serra Azul em direção à Canela com intenção de pedalar por volta de 1:30h. Meio escuro ainda, nevoeiro fechado, bem perigoso, os dois cansados e com frio. O nevoeiro virou uma garoa e decidimos voltar. Mas ao chegar perto do hotel tinha muito menos nevoeiro e decidimos ir no sentido oposto, em direção à Nova Petrópolis.
Pouco movimento na estrada, e menos nevoeiro para esse lado, mas o asfalto estava molhado, típico da serra. O Felipe vinha atrás de mim e logo na saída de Gramado passamos por umas 2-3 pequenas descidas seguidas por pequenas subidas ou planos. A gente deixava a bike embalar um pouco na descida (até uns 40-45km/h) e depois subia ou pedalava de leve no plano. Até que lá pela quarta descida, a bike chegou a 45km/h e começou a ter muita curva. Mas a estrada estava vazia, eu vinha “mamando” nos freios de leve e achando que em seguida pararíamos de descer. Nessa situação se a gente trava a roda com chão molhado e em curva, é tombo certo, ainda mais com os pneus que eu uso. A cada curva eu esperava que a estrada ficasse plana ou que iniciasse uma nova subida, mas a coisa só descia cada vez mais e era curva em cima de curva. A estrada naquele estilo clássico da serra: paredão de pedra de um lado e penhasco do outro.


Apesar de seguir freando de leve com as duas rodas eu reparei que a velocidade só aumentava 45-50-55-60 e não poderia travar as rodas porque provavelmente iria escorregar e cair com grande chance de levar o Felipe junto pro chão (eu não sabia o quão distante de mim ele estava). Quando a bike passou de 60km/h eu comecei a perder a estabilidade e sabia que não poderia mais frear a roda da frente. Bom, se freando as duas eu não parava, só na de trás é que eu não ia desacelerar. Lembrando que pela umidade do dia, os freios estavam meia boca.
Fazendo uma curva para a direita eu não consegui manter a bike na nossa faixa por causa da força centrífuga e passei para a contramão, indo em direção ao lado da estrada que tinha o paredão de pedra. Eu estava acima de 60km/h, instável, na contramão e em curva sobre asfalto molhado, a poucos metros de uma parede de pedra (o ciclo marcou como máxima 69,4km/h), frear não parecia ser uma atitude muito acertada.
Como a força centrífuga continuava a me jogar pra fora da curva, antes de ser arremessado pra fora do asfalto, ou pior, entrar de frente num carro que viesse contra (não dava pra ver se vinha carro ou não porque era em curva), eu decidi que teria que pular fora da estrada. Mas pular pra onde se era uma parede de pedra?
Bom, na serra, entre o asfalto e o paredão de pedra costuma ter uma valeta de cimento pra correr água. Entre essa valeta e o paredão existe um espaço onde junta gravetos, folhas secas e pedaços de rocha que se desprendem, foi pra esse espaço que pulei. É como se eu tivesse entrado numa trilha de downhill com pedras e gravetos, a 60km/h a bordo de uma speed.

No momento em que decidi pular eu sabia que ia cair feio, só não sabia o quanto eu iria me machucar. Voei sobre a valeta, encaixei a bike nessa trilha (que tem uma largura de 1 metro aproximadamente) e a bicicleta andou poucos metros antes de encontrar uma pedra bem grande. Ao bater nessa pedra com a roda da frente eu capotei e saí dando cambalhotas. Recapitulando, entre eu perceber que tinha perdido o controle da bike, mudar de faixa, pular a valeta e cair foram menos de 15 segundos. Raciocínio rápido, bicho burro, mas rápido.
O Felipe disse que foi um tombo lindo, pena ele não ter uma Go Pro no capacete, mas na hora ele achou que eu tivesse todo quebrado. Eu parei de capotar uns 6 metros à frente da bike e a pedra em que bati estava mais uns 5 metros pra trás. Assim que meu corpo parou, fiquei em pé e gritei, “tô bem” pra tranquilizá-lo (e porque eu sabia que ele queria rir).
Nessa hora nós dois ficamos sem entender o que tinha acontecido, ainda meio nervosos. Demos uns passos em direção à minha bike e de longe eu percebi que ela não tava legal, achei que tivesse quebrado o garfo. Ainda meio zonzo eu olhei pra ela e não entendi muito bem, até que percebemos o quadro quebrado. Acho que só nesse momento nós nos demos conta da força do choque.
Meu guidão (carbono) desceu 90 graus (mas não quebrou), a roda da frente (Dura-Ace C24, alumínio+carbono) ficou com 2 amassões feios (mas nenhum raio quebrado), o quadro quebrou nos 2 tubos mais grossos próximos à caixa de direção e nada mais. Eu carregava no bolso de trás da camisa um gel (ok), óculos escuros (destruídos) e uma máquina fotográfica (que saiu ilesa e fez as fotos do local que aparecem aqui). E só isso, nem os passadores da ponta do clip, manete de freio, nem o câmbio traseiro, nada mais foi atingido.
Depois de checar meu corpo todo várias vezes e ainda sem entender como eu estava ileso, o Felipe foi até o hotel buscar o carro e eu fiquei na beira da estrada ainda meio sem acreditar. Fiz a reconstituição do acidente pra entender, refiz caminhando o trajeto por onde eu capotei, vi o tamanho da pedra em que bati e percebi que tinha outras pedras por ali, mas inexplicavelmente eu consegui rolar somente em folha seca. Tipo coisa de duble, como se tivesse um colchão de folhas pra eu cair.

Ao chegar ao hotel fizemos essa foto, na recepção um cara me pergunta se o ciclista da bicicleta estava vivo e não entende muito bem que eu era o ciclista e que acidente havia ocorrido há meia hora. O Pedrinho Hallal tava no saguão e me dá uma mijada dupla (uma como amigo e outra como presidente do evento) porque eu poderia ter morrido, e mesmo que tivesse apenas me machucado, eu tinha um papel central no evento, qualquer ausência minha prejudicaria o congresso além de abalar o clima do evento saber que um dos organizadores está hospitalizado, morreu ou sei lá. Nós tínhamos jantado todos juntos numa casa de fondue e ele me disse - “bebesse demais ontem”, mas umas taças de vinho com o bucho cheio de queijo não alteraram em nada, ninguém “dorme na direção” andando de bike e com frio às 6 da manhã, e nem meus reflexos estariam alterados no outro dia de manhã.
Não foi uma questão de reflexo, meu principal erro foi: por não conhecer a estrada, eu pensei que a descida era igual às que tínhamos feito antes e acabaria em seguida e por isso deixei a bicicleta acelerar mais do que deveria, mas ao perceber isso eu já estava num ponto em que frear não era mais uma opção.

Aí a gente começa a pensar nos “e se”. E é isso que assusta e me tirou o sono naquela noite.
E se viesse um carro?
E se eu batesse com o rosto no paredão de pedra?
E se eu batesse com a coluna ou a cabeça numa pedra?
A resposta para algumas dessas perguntas teria como resultado desde pequenas fraturas, dentes quebrados até morte, passando por ficar paralítico, tetraplégico, etc.
Um palestrante americano do evento era cadeirante e chegou a Gramado no mesmo dia do meu acidente. Ao contar o acidente para outros gringos eles me perguntaram: sabes por que o Ross Brownson está numa cadeira de rodas? Acidente de bicicleta, ele era ciclista.

Por que o Felipe que vinha junto não caiu também?
Provavelmente por ter mais experiência em andar em serra do que eu.
Talvez se eu estivesse atrás dele eu teria freado junto com ele e ambos desceríamos mais devagar, não sei. Ele vinha atrás e achou realmente que eu estava mais rápido do que deveria. Ele tinha razão, mas quando eu percebi isso era tarde.
O acidente poderia ter sido evitado com certeza se eu tivesse começado a frear muito antes e com mais força, mas a imprudência não foi deixar de frear porque eu vinha freando o tempo todo, o erro foi não ter freado com mais intensidade enquanto eu ainda tinha algum controle da bike, antes de entrar nas curvas fechadas e da bike passar de 50km/h. Depois dos 60km/h, em curva e asfalto molhado, não adianta muito ser prudente nem ter experiência, não tem muito o que se possa fazer. O segredo está em não deixar isso acontecer.
O único culpado pelo acidente fui eu mesmo, é óbvio. Minha única coisa boa foi ter um excelente controle da bike pra saber pular a valeta, cair na trilha e rolar muito bem, mas essa minha “experiência” dos tempos de bicicross seria inútil se não estivesse aliada à sorte que eu tive por não bater nas pedras.

Como hoje em dia tudo corre rápido. Assim que deu eu avisei em casa que estava tudo bem. Mas ao chegar ao evento os alunos já sabiam do ocorrido e minha mãe já tinha visto o post do Felipe dizendo que “hoje quase perdemos o Marlos”, seguido do comentário do Fabrício, pedindo fotos.

Ironicamente, esse foi o meu acidente mais sério em termos de velocidade e possíveis consequências e foi o que menos me machuquei. Esse micro arranhão foi a única lembrança.

Tive dores musculares fortes no dia seguinte ao acordar e tomei um analgésico. As dores vêm diminuindo diariamente. Nadei 3 dias depois do acidente e as costas estão doloridas. Caso a dor não passe nos próximos 2-3 dias vamos pros exames de imagem. A maior chance seria quebrar costelas, mas eu já quebrei e sei como é a dor. Além disso, por ser um evento da área da saúde no mesmo dia falei com 3 fisioterapeutas pra ver o que achavam, e aparentemente eu não tinha nada a ser investigado mesmo.

Cheguei em casa no sábado de noite e somente na segunda eu tirei a bike do carro. Estou triste por ela, quem me conhece sabe o quanto eu era louco pela minha Pink Giant. Ainda não sei se ela tem conserto e se seria seguro consertar. Daqui onde estou eu consigo olhar pra ela, pendurada, apenas com os cabos mantendo os 2 pedaços próximos. Lembra um pouco aqueles carros completamente destruídos que a polícia coloca em exposição na beira da estrada pra chamar atenção para o perigo dos acidentes.

O que farei com a bike agora?
Vou mandar fotos para quem trabalha com carbono e conversar com quem entende do assunto. Se existir uma maneira segura de consertar o quadro, vou consertá-lo. Do contrário vou guardá-lo como lembrança. É como se fosse um bicho de estimação adorado que morreu depois de 4 anos de convívio, mas diferente de um bicho eu nunca achei que ela fosse “morrer”. Se não tiver conserto vai ser como guardar o bicho empalhado.

Dei uma olhada em um site especializado em acidentes com bikes de fibra de carbono. Muitas fotos de várias peças quebradas e reparei que todas as histórias de quadro quebrado levaram os ciclistas para o hospital. Eu fui do acidente pro hotel, tomei um banho, café da manhã e trabalhei no congresso das 8-20h, com direito a passeio noturno por Gramado para encontrar os alunos e participantes do evento.

Esse acidente (10/11/11) foi quase 10 anos após minha queda em PoA (28/10/01), no triathlon do Grêmio Náutico Gaúcho, quando quebrei escápula, clavícula e 2 costelas. Se tivesse sido no dia seguinte (11/11/11) com certeza teria alguma explicação numerológica para eu sair ileso.

Falando sério, o que aprendi:
- sem conhecer o terreno, não deixe a bike acelerar acima de 40km/h em descidas.
- se existirem outros agravantes, como umidade ou chão molhado, não deixe passar de 30km/h.
- pneus super slick com asfalto molhado em descida não são uma boa combinação.
- se for andar na Serra, mande o Felipe descer na frente (e leve uma filmadora Go Pro no capacete pra filmar).


Topografia do acidente (minuto 24). Reparem na inclinação da descida.