Mr. Domingues

Sempre ouvi que escrevo demais, e-mails longos, cartas intermináveis para namoradas, nunca consegui usar Post-it, enfim, bem ou mal eu gosto de escrever. A intenção é que isso aqui sirva como uma "descarga mental" onde comento fatos, acontecimentos e pensamentos, na verdade, tudo que me der vontade. Sabe quando se vê um filme, lê um livro ou algo no jornal e ficamos com vontade de discutir com alguém sobre o assunto? É pra isso que esse espaço serve, assim eu incomodo menos quem está à minha volta e começo a incomodar anônimos internet afora que queiram ser incomodados. Mas é claro que não vou fugir muito dos meus hobbies, interesses pessoais e profissionais, como saúde, atividade física, esporte, tecnologia e música.

domingo, 12 de agosto de 2012

London 2012 - O Triathlon Olímpico em números.

Ao final de cada olimpíada, treinadores do mundo todo começam a fazer diversos cálculos para ver a realidade do atleta olímpico atual. A partir disso saem tabelas com valores de antropometria, variáveis de condicionamento físico, tempos para cada modalidade, etc.

Hoje em dia temos acesso a várias informações dos atletas, e com isso em mãos resolvi brincar um pouco com os números, usando valores médios. Eu sei que as médias são burras porque colocam no “mesmo saco” o melhor e o pior, mas quando falamos em alto nível, em que os valores se assemelham, a média nos fornece um panorama aceitável. Exemplo de média burra: fazer uma média de altura misturando alunos de um jardim de infância com um time de basquete adulto, e uma média não burra seria ver a média de altura somente dos jogadores de basquete, ou somente dos alunos do jardim.

Aqui nesse caso, eu brinquei com as médias dos triatletas que estiveram em Londres competindo na prova olímpica de 2012, no Hyde Park, uma população de 105 atletas que são o que há de melhor em seus respectivos países. Não misturei homens e mulheres (porque aí seria uma média mais burra) e pra quem entende de matemática, não usei medianas porque foram iguais às médias.

Estou desconsiderando as transições, creio que elas estejam incluídas no tempo da bike (dados retirados do site dos Jogos Olímpicos). Lembro que a bike nesta prova tinha 42,96km.

Prova feminina.

A foto mais divulgada no triathlon foi justamente a do Photo Finish com a chegada em empate técnico das atletas da Suíça e Suécia. As 52 meninas que completaram a prova apresentaram os seguintes valores médios, aqui mostrados junto com os melhores/piores tempos e com os tempos da nossa representante brasileira Pamella Oliveira.
Quanto as melhores são mais rápidas em relação às mais lentas?

Diferença em tempo e percentual entre o melhor e o pior tempo em cada modalidade.

Natação: 2’ 32” (13,0%)
Ciclismo: 5’ 43” (8,7%)
Corrida: 7’ 00” (20,8%)
Total: 12’ 21” (20,7%)

Os paces médios das gurias foram:

Nadaram a 1’18”/100m;
Pedalaram a 38,2 km/h e;
Correram a 3’37” / km

Infelizmente o único dado antropométrico que se tem disponível dessas atletas é peso e altura (e não sei se é confiável, ainda mais sendo mulher). Mas com peso e altura dá pra ter uma visão grosseira do corpo desse pessoal. O IMC (índice de massa corporal) não serve para falar de composição corporal ou % de gordura porque dá uma ideia de massa corporal somente. Mas numa população homogênea como essa, dá pra traçar um panorama do corpo das atletas com base no peso/altura.

Se estivéssemos falando de pessoas normais, quase 20% das atletas está na faixa da desnutrição de acordo com a Organização Mundial da Saúde (IMC abaixo de 18,5). Nenhuma novidade quando consideramos que em esportes de endurance e na ginástica existem dados mostrando até 60% das mulheres atletas com algum tipo de distúrbio alimentar, o mais comum - distorção da imagem corporal (mulheres magras se achando gordas).

Não estou dizendo que as atletas estejam doentes ou que devessem ganhar peso, mas só pra lembrar que situações de anorexia, bulimia e auto imagem distorcida, são muito mais comuns no meio esportivo do que se pensa. Basta recorrer à memória: alguém já viu uma atleta dizendo: “bem que eu poderia engordar uns 5-6 kg?”, mas ao mesmo tempo, quantos já ouviram mulheres visivelmente magras se achando acima do peso? Na maratona aquática nossa única representante foi retirada da água com hipotermia, coincidentemente ou não, ela era a atleta mais magra entre todas as participantes, e já teve o mesmo problema em provas anteriores - olhem o tipo físico de quem vence maratonas aquáticas: nada de definição muscular.

Mas voltando ao triathlon,

Acho que daria afirmar que, se a nossa Pamella Oliveira não tivesse caído no ciclismo, ela tinha uma grande chance de ficar entre as 15 melhores.

A julgar pela natação dela, somada à idade atual em relação à média, é perfeitamente viável que ela seja novamente nossa representante em 2016, com chances de boa colocação. Ela vai estar com 28 anos (média atual), possui uma natação acima da média e uma bike pelo menos na média (difícil avaliar com o tombo dela, mas creio que ela pedale acima da média). Ponto fraco a melhorar - corrida, porque apesar de estar na média, é onde ela fica mais longe das melhores.

A melhor corrida foi a da primeira colocada, a segunda pior corrida foi da última colocada. Nos homens isso vai ficar mais evidente ainda.

Prova masculina.

Falarei menos dos homens e sem discursos pros Brownlee brothers, desnecessário. São de outro mundo, mas ainda falta muito para eles serem considerados do mesmo patamar de importância atlética de Allen, Wellington, Phelps, Armstrong, etc. Acho que a grande contribuição deles pra modalidade tem sido: mostrar que, se o cara tem bala na agulha, dá pra sair na frente na natação, meter a cara no vento e fazer a melhor corrida. Javier Gomez chegou perto, mas que eu me lembre, ele não botou a cara no vento durante o ciclismo. Os irmãos mostraram que funciona nadar nos Top5, pedalar com cadência de 100 ou mais e correr num pace de 3/km com cadência de 90-100.

Um total de 53 homens completou a prova (Simon Whitfield, infelizmente desistiu com uma clavícula quebrada, mas o cara é um herói). Os homens apresentaram os seguintes valores médios:

Natação: 17’53” (1’11” / 100m)
Ciclismo: 58’15” (44,2km/h)
Corrida: 31’51” (3’11” / km)
Total: 1h 50’ 09”

Ou seja, o primeiro objetivo de qualquer triatleta que almeje se destacar na modalidade olímpica em nível mundial é nadar 1500m (com wetsuit) abaixo de 18’, o segundo é aguentar 1h acima de 44km/h na bike e depois disso, correr os 10km abaixo de 32’. Com isso, o sujeito consegue ficar “na média”.

Nosso melhor atleta foi o Reinaldo Colucci e coloco neste gráfico uma comparação dele e do outro brasileiro (Diogo Sclebin) com os melhores-piores tempos e o tempo médio.

Nos homens as diferenças são bem menores entre os piores e os melhores.

Pra se ter uma noção de onde estão as vantagens, coloco abaixo as diferenças entre os piores e os melhores tempos:

Natação: 2’ 3” (12,1%)
Ciclismo: 2’ 3” (3,5%) - graças ao vácuo temos essa diferença minúscula e irreal.
Corrida: 6’ 29” (22,3%)
Total: 7’ 5” (7,6%)

É notória a grande diferença proporcional na corrida, e isso se reflete nos seguintes fatos:
- quem fez a corrida mais rápida venceu a prova;
- quem fez o pior tempo na corrida chegou em último.

Essa relação da corrida com o resultado final é tão linear que, se as posições fossem definidas apenas pelo tempo da corrida, poucas colocações mudariam (nos 13 primeiros e nos últimos 17 nada mudaria).

Em suma.

Só reforça o que já se sabe, triatleta olímpico precisa: nadar muito bem e correr melhor ainda. Na bike se dá um jeito e as diferenças são pequenas graças ao vácuo. Olhando as diferenças entre mais rápidos para ambos os sexos.

As mulheres, no geral foram por volta de 12-13% mais lentas que os homens (normalmente gira em torno de 15% e é nesse aspecto que a Chrissie Wellington é considerada um fenômeno - a primeira mulher a ser menos de 10% mais lenta que os homens).

Abaixo uma comparação das médias entre homens e mulheres.

Na base esportiva.

Aquathlon é o segredo pras crianças, se a criança chega aos 12 anos com técnicas excelentes em natação e corrida, pode ter uma chance. A bike vai ter importância real lá pelos 18 anos e só vai ter utilidade se nadar/correr bem.

Além disso, por ser a modalidade menos técnica das 3, no ciclismo é onde o condicionamento puramente físico é mais facilmente treinável. E por ser na distância olímpica a maior proporção da natação, se não for um excelente nadador aos 16 anos, só poderá competir bem em nível mundial em distâncias de Half ou Full Ironman, onde a natação perde sua importância.

sábado, 4 de agosto de 2012

Punta del Este - Training Camp

Entre 1995 e 96 eu fiz 3 viagens com amigos para pedalar, em 2 vezes fui para o Uruguai e uma vez para a Serra Gaúcha. No início de 2012 eu decidi fazer uma viagem somente para treinar, no meio do ano, nas minhas férias de julho (que caíram dentro de uma greve) e quando faltaria um mês para uma prova de Meio Ironman em Penha/SC. Seria o fim de uma fase de mais volume, antes de iniciar a fase pré-competitiva de menos volume e mais intensidade (até parece que eu treino de verdade). Mas enfim, eu queria ver como é dedicar alguns dias somente ao treinamento, comer, dormir, descansar e treinar. Sem trabalho, sem telefone, quase sem computador, nenhuma tarefa doméstica, sem horário, enfim, me desligar do mundo por uns dias e brincar de “atleta de verdade”.
Não me considero atleta, muito menos de alto nível, mas isso é um costume de todo atleta sério, ir para um lugar fazer um chamado “Training Camp”. Às vezes se vai para um lugar com altitude, ou treinar no mesmo local em que se terá uma prova, treinar com gente de nível mais alto, ou simplesmente para treinar num lugar diferente, que faz muito bem para a cabeça. No meu caso eu queria mudar um pouco de cenário e pensar somente em triathlon por uma semana.

O lugar

O lugar escolhido pra isso foi Punta del Este no Uruguai porque: tem uma boa estrutura (hoteis e restaurantes), nessa época do ano não é caro ficar lá, a comida é muito boa, tem várias estradas por perto (todas com asfalto bom), alguns morros pra se subir, lugares bonitos, praticamente não tem trânsito de caminhões e nessa época até o trânsito de carros é pequeno. E algo muito diferente do Brasil - existe respeito ao ciclista. Em algumas situações eu chegava a ficar constrangido por saber que tinha um carro querendo me ultrapassar, mas a estrada era estreita. Mesmo assim, nenhuma buzinada ou passar encostando o retrovisor em mim, os motoristas esperam e quando tem espaço para passar, no máximo baixavam o vidro e gritavam “da-le, da-le” ou “muy linda la bici”.

O uruguaio é um povo mais humilde que o brasileiro e talvez por isso eles tenham um respeito maior com todos e isso se reflete no trânsito. Ciclista lá tem preferência sempre (basta que a gente se cuide com os carros de brasileiro). O tráfego de caminhões no Uruguai é muito menor que no Brasil e no inverno, na região em que eu fiquei, não tem quase turistas, tornando as estradas perfeitas pra se pedalar. Eu fiquei no hotel Golden Beach Resort & Spa e gostei bastante. Até já reservei para dezembro quando for competir lá novamente. Apesar de bem melhor e dos termos “resort” e “SPA” no nome, no inverno a diária desse hotel custa o mesmo que o Ritter de PoA em frente à rodoviária. Eu não pedi, mas me colocaram num quarto com cobertura, uma escada caracol saía da sala e ia até o topo do hotel, de onde se via à direita a Playa Brava a 2 quadras e, à esquerda, a Mansa, a 4 quadras. Os funcionários em seguida se acostumaram comigo. Eu era o único hóspede que usava o elevador de serviço porque geralmente estava todo suado, com roupas estranhas e coloridas ou subindo com uma bike de sapatilha fazendo “clec-clec” no chão. Não dava pra me misturar com aquele pessoal mais chique com cachecóis, luvas, toucas e jaquetões. E de segunda-feira em diante eu fiquei sozinho no quarto andar, ou seja, se eu tivesse 10 anos novamente poderia correr pelo corredor, ver TV bem alto e picar minha bola na parede sem incomodar os vizinhos.

Entendendo o Uruguai

Passei por várias cidades uruguaias de bike. E vou explicar uma coisa sobre elas. As cidades no Uruguai são fundadas com base na seguinte lógica: se constrói uma praça chamada General Artigas, com um busto do Artigas no centro da mesma. Na frente da praça passa a Avenida Artigas, esta avenida acaba numa rotatória que encontra a “Ruta número X” e tem um monumento/obelisco em homenagem ao General Artigas. No lado oposto da praça passa a Rua General Artigas (só pra confundir quem usa mapa). Em frente à praça tem uma escola chamada "Escuela Media General Jose Gervásio Artigas". Ao lado da Escola fica uma lojinha (lá eles chamam de Kiosko) que vende alfajores, guloseimas, cartão de celular da Ancel e é representante da Conaprole. Atrás da praça se ergue uma igreja, uma carniçaria e uma quesaria. Pronto, está feita cidade, o resto vai crescendo em volta. No Uruguai se come muito bem, mas só tem banana caturra e maçã argentina. Adoro passear em supermercados, e os do Uruguai são maravilhosos. As redes grandes como Devoto ou Tienda Inglesa são como um parque de diversões para quem estava constantemente com fome como eu. Apesar do país relativamente pobre, eles têm uma variedade gastronômica bem mais parecida com a Europa do que a gente, mesmo que todos nós tenhamos sido colonizados por europeus. Uma coisa que não entendo são as placas de carro. Às vezes eles colocam Uruguay (país), às vezes Maldonado (intendência/estado) ou então colocam Punta del Este (cidade). E deve ser dos poucos países no mundo em que Ferraris, Porsches, Mercedes SLK convivem bem com carros de 50 anos, completamente podres e sem cor definida.

Cotidiano de atleta

Saí daqui com um plano de treino para esse período. Já de início uma coisa foi alterada - natação. Eu sabia que o hotel tinha 2 piscinas, mas não sabia o tamanho. A interna (térmica) era muito pequena e só dava pra relaxar mesmo (4 braçadas para atravessar os 10m), a externa até era um pouquinho maior (acho que uns 15m), mas aí tinha outro detalhe - o frio. Levei roupa de borracha com a intenção de nadar na praia inclusive, mas no primeiro dia fui conversar com os surfistas. Eles estavam entrando com roupas de 4-5 mm, com touca e bota de neoprene e disseram que estava frio. Eu, com uma roupa bem mais fina e sem touca/botinha, iria congelar na opinião deles. Resultado: seria um training camp bike e corrida. Levei minha bike #1 (pra triathlon), mesmo sabendo que a bike #2 (de estrada) seria a mais apropriada para o terreno. A questão é que tenho 2 provas longas até o fim do ano e ambas serão feitas na bike de triathlon, portanto seria mais lógico acumular horas nessa bike. Mas senti falta da minha bikezinha de estrada, ano que vem eu vou com ela. Meu dia normal era: acordar, café da manhã gigantesco (cereal com iogurte, 2 pratos de doces e tortas, 2 pratos de salgados, 1 sanduichão com ovos e frios, suco de laranja e salada de fruta), primeira ida ao banheiro, arrumar as comidas e bebidas na bike, apagar e-mails, segunda ida ao banheiro, colocar as 4-5 camadas de roupa e sair pro treino número 1. Chegava do treino, passava rápido no quarto pra trocar de roupa/equipamento, engolia algum gel ou fruta e saía pro treino número 2. Normalmente eu saía 10h da manhã e encerrava os treinos lá pelas 16h. Depois do segundo treino uma refeição rápida com 1L de leite achocolatado, frutas, bolachas, pão integral e chocolate. Descia pra sauna/piscina térmica pra dar uma relaxada, alongar e tomar um banho. De vez em quando fazia uma sessão de massagem também. Por volta das 19h eu saía para jantar, se não estivesse muito cansado e o horário encaixasse com algo interessante, ia ao cinema no Punta Shopping.

O frio foi algo a parte nos dias em que estive por lá, peguei sensação térmica perto de zero. A vantagem é que a variação de temperatura era pequena, amanhecia 5 e subia até 8 graus, portanto eu podia sair de manhã do hotel e sabia que às 13h a temperatura estaria quase igual. Apesar do frio desgraçado e algum ventinho, tive sorte de não pegar chuva, e peguei céu nublado apenas no último dia.
Meu treino era basicamente: um pedal longo seguido de uma corrida não muito longa, OU uma corrida mais longa seguida de um pedal não tão longo. Se somar tudo que fiz, eu treinei em média quase 5 horas por dia. Foi mais ou menos uma pedalada de 3h10’ e uma corrida de 1h30, todos os dias, o que não é um volume tão alto, mas pro meu nível foi cansativo e o mais importante, ao longo dos dias as pernas iam pesando cada vez mais. Mas a intenção era justamente essa - descansar a cabeça, comer muito e desgastar o corpo ao máximo, sem me machucar. Deu certo. Primeira coisa que se nota já no segundo dia desse cotidiano é a fome. E como, tirando o café da manhã que era grande (acho que mais de 2 mil calorias), no resto do dia eu só beliscava durante o treino, quando chegava a janta eu estava louco por comida de verdade. Mais de uma vez algum garçom me olhou e perguntou - “¿estás solo?”, duvidando que o que eu pedia era só pra mim. Normalmente saía da janta com aquela sensação de comer até vir lágrima nos olhos - sabe quando a gente engole a última garfada e a garganta fica decidindo se vai deixar entrar ou não, aí o sujeito engole e lacrimeja? Acho que nunca vi mulher comer até esse estado (elas têm um sistema interno inconsciente que as faz parar bem antes porque, “vá que tenha algum doce né”). Pior que às vezes saía da janta, ia ao cinema e no fim do filme já estava imaginando o café da manhã do dia seguinte. Numa dessas jantas eu comi algo que não comia há anos, entrei num restaurante tradicional lá de Punta e tava toda aquela carne exposta, e pedi um filé (quem me conhece sabe que eu não como carne vermelha desde antes do Collor). Mas eu estava com uma fome meio instintiva e animal, tinha treinado mais de 5 horas e passei um pouco de frio, queria um troço mais porrada. No Uruguai o filé é tão alto quanto é largo, eles não abrem a carne como no Brasil. Pedi filé com os acompanhamentos, mais salada e nhoque. E o couvert com aquele pãozinho esperto. Nesse dia o garçom comentou: “quando te vi pegando o pãozinho, depois de limpar todos os 3 pratos, eu me apavorei, tava com fome hein”. Mas realmente não devo comer carne vermelha. Meu corpo não reage bem a ela, fico com uma sensação de jiboia por 24 horas, continuo com meu peixe e galinha.

Pessoas

O café da manhã do meu hotel era muito farto, mas tem uma coisa que me dá raiva em algumas pessoas em café de hotel. Tem gente que monta na sua mesa um mini-buffet, sem pensar se vai comer ou não o que coloca na frente, geralmente a mãe leva pra mesa uma série de pratos para que a família se sirva. Sempre sobra muito, e nessas horas a gente vê aqueles homens que em casa não atinam nem botar água num copo, o cara senta e a mulher lhe cerca de comida. Ao final do café dessas pessoas é normal ficar um prato com 3-4 croissants intocados, copos de suco que ninguém bebeu, pratos cheios de queijo, e pior que às vezes tem gente sozinha na mesa que faz isso, se serve de tudo no Buffet pra depois ver o que vai dar vontade de comer. E criança que se serve de tudo e dá uma mordida em cada coisa só pra dizer que não gostou? Bons tempos em que o meu pai olhava e me dizia: “botou no prato, agora vai comer”, geralmente eu recorria à minha mãe pra me livrar do castigo. Mas hoje não consigo me servir num lugar assim de comida livre e desperdiçar comida.

Nessa época, a maioria dos turistas em Punta é de argentinos e meia dúzia de gaúchos. É muito fácil achar uma família porto alegrense. Eles andam sempre em caminhonetes SUV gigantes prateadas, com todos os adesivos de Punta colados no vidro traseiro. O homem tem uns 50 anos, meio grisalho, barrigudo, sempre entra nos lugares falando alto e perguntando se aceitam reais. A mulher tem quase 50 anos (mas pensa que tem 22), pesa uns 40 kg e usa um Ray-Ban que cobre 80% do rosto, usa calça justíssima e botas de pelego (tipo Conan que deixam as pernas mais finas ainda), tem a pele ressecada do bronzeamento artificial e o cabelo seco e morto de tanta tinta. Marido e mulher não interagem, talvez estejam com saudades de seus respectivos amantes. A filha tem 15 anos e está indignada, de Iphone em punho mandando mensagens constantemente e falando sozinha, reclamando porque metade das amigas dela foi pra Porto Seguro e a outra metade foi pra Bariloche, e ela está em Punta com os pais, sem nada pra fazer. O caçula da família tem 13 anos e é um menino que se comporta como se fosse autista, usa fones de ouvido o tempo todo e joga algum joguinho eletrônico, não fala com ninguém, tem um cabelo sem formato e tá sempre com cara de sono. Pra ele não faz a mínima diferença de onde eles estejam, e se estivesse em casa ele estaria sozinho, encerrado no quarto, jogando o mesmo joguinho, mas com o computador e a TV ligadas. O quinto membro da família é um cachorro de meio quilo que parece ser a pessoa mais sensata do grupo. Enfim, a família é o retrato da felicidade. Mas nada é mais engraçado do que paulista ou carioca tentando falar espanhol. Os nordestinos são mais espertos, eles nem tentam.

Treinando fora de casa

Além de tudo que falei antes, eu queria mesmo era treinar num lugar diferente, eu não estava tão preocupado com os indicadores do treino, intensidade, etc. (nem GPS eu tenho mais pra levar) e sempre que dava vontade de bater uma foto eu não tinha dúvida, parava, batia foto e seguia. Como o objetivo era volume mesmo, não me acanhei em fazer um pouco de cicloturismo em alguns momentos. Mas a principal diferença em se treinar longe de casa é psicológica.

É comprovado que o exercício em esteira, por exemplo, tem um efeito diferente no nosso cérebro do que se corrermos na rua (isso não é teoria minha). O fato da paisagem mudar dá um resultado diferente do exercício no cérebro, além do que, na rua o tempo passa mais rápido do que em uma esteira. Na rua 40 minutos levam 40 minutos, na esteira parece que levam quase 55. Não é o meu caso, mas infelizmente, por diversas razões, alguns atletas fazem grande parte de seus treinos de corrida e bike em esteiras e rolos ou ergométricas. Eu comecei a fazer triathlon porque gosto de nadar, pedalar e correr, quando eu vejo gente treinando prioritariamente dentro de casa eu acho que perde um pouco o sentido do esporte, eu pelo menos não conseguiria, não virei triatleta pra ficar suando entre 4 paredes na frente de uma TV. De vez em quando tudo bem, mas gosto mesmo é da rua, correr na praia, numa trilha, pedalar sentindo vento na cara, etc. Dentro de casa me sinto meio como um hamster na rodinha. Fazer a atividade indoor cansa mais a cabeça do que na rua. E se a atividade for num lugar diferente do que estamos acostumados, cansa menos ainda (isso é teoria minha). É por isso que é comum falarmos com alguém que foi correr uma maratona longe de casa, num lugar bonito e relata que “nem sentiu a prova”. Eu percebi isso nitidamente no Uruguai. Aqui em casa, sair pra pedalar mais de 2 horas requer preparação psicológica prévia, e parece que leva uma eternidade (eu tenho 3 opções de estrada, 100% planas e pedalo nelas há quase 20 anos). Lá, com uma paisagem bonita e diferente, eu saía pra pedalar e ficava impressionado como o cronômetro chegava rápido nas 3 horas. O meu treino de bike mais curto (só de subidas/descidas, após correr 2h) foi um treininho de 2h40’. Cheguei a pedalar 4h30’ e ao final do treino estava pensando no que faria no dia seguinte. Com uma trilha sonora escolhida a dedo então, é melhor ainda. Acho que se tivesse alguém conhecido pra treinar junto seria mais forte ainda esse efeito de não sentir o tempo passar. E o mesmo valia para a corrida, no último treino de corrida a intenção era correr 2h, mas meus joelhos começaram a ficar estranhos e eu resolvi parar, mas estava com 1h30 de corrida e na minha cabeça não tinha corrido nem 1h. Parei porque avaliei que estava castigando muito o corpo mesmo (e não tinha ninguém lá pra ver que eu tinha abandonado o treino). Essa imagem é das estradas por onde passei.

Eu usava o Google na véspera pra dar uma planejada, mas nem sempre cumpria e mais de uma vez eu vinha por uma estrada, via indicação de outra rota e entrava ali, sem saber onde iria parar.

Minha única preocupação era não chegar no hotel depois das 17h, porque sem sol seria mais perigoso e frio (ou quando tinha massagem agendada e não poderia me atrasar). Nada como acabar um treino de bike com sensação térmica perto de zero e entrar numa sauna. Ou então estar chegando de volta e ver cenas como essas, esse pôr-do-sol e uma baleia a poucos metros da areia da praia, abanando pra gente.
Punta de novo agora é pra competir, 2 de dezembro farei pela segunda vez o Half Punta, será minha nona prova de Meio Ironman. Mas com certeza pretendo voltar lá em outros invernos pra treinar.