Mr. Domingues

Sempre ouvi que escrevo demais, e-mails longos, cartas intermináveis para namoradas, nunca consegui usar Post-it, enfim, bem ou mal eu gosto de escrever. A intenção é que isso aqui sirva como uma "descarga mental" onde comento fatos, acontecimentos e pensamentos, na verdade, tudo que me der vontade. Sabe quando se vê um filme, lê um livro ou algo no jornal e ficamos com vontade de discutir com alguém sobre o assunto? É pra isso que esse espaço serve, assim eu incomodo menos quem está à minha volta e começo a incomodar anônimos internet afora que queiram ser incomodados. Mas é claro que não vou fugir muito dos meus hobbies, interesses pessoais e profissionais, como saúde, atividade física, esporte, tecnologia e música.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Mundial de Ironman do Hawaii - KONA 2019 – uma visão matemática e evolutiva da prova

























Um esporte que começou meio de brincadeira virou um estilo de vida, um esporte olímpico e ao mesmo tempo um símbolo de resistência. E o ápice deste esporte pode ser representado por 3 eventos, nesta ordem de importância: Mundial de Ironman (Hawaii) – Jogos Olímpicos – Mundial de 70.3. (podemos discutir entre a importância do Mundial do Hawaii e a Olimpíada, tudo bem).
Hoje em dia podemos acompanhar estas provas ao vivo, mas me lembro dos anos 90 quando eu assinava a revista Triathlete e esperava a edição de novembro ou dezembro pra ficar sabendo quem tinha vencido no Hawaii naquele ano. Detalhe que com a importação eu recebia a revista quase um mês depois dela sair nas bancas nos USA. Publicações brasileiras de triathlon não existiam e algumas revistas de ciclismo (como a Trekking) faziam matérias sobre a prova do Hawaii.
Para estes 3 eventos é preciso se classificar, e aí a ordem muda em termos de dificuldade, sendo que o mais difícil de longe seria a Olimpíada, depois o Ironman do Hawaii e por último o mundial de Meio Ironman (70.3). classificar-se para o Hawaii é 72 vezes mais fácil que se classificar para a olimpíada.
E o termo Ironman, como tudo que os americanos fazem, virou uma marca. Bem cara, diga-se de passagem. A prova que teve 15 malucos na primeira edição hoje em dia mexe com um mercado de aproximadamente 150 mil atletas no mundo todo, que competem em mais de 100 eventos com o sonho de ser um daqueles 2% que conseguem a vaga para Kona todo ano, e para isso investem muito dinheiro.

Mas vamos focar no mundial do Hawaii, quais as maneiras de se obter uma vaga nesta prova?
1) os profissionais competem em um circuito ao longo do ano e acumulam pontos que são convertidos em chance de vaga. Além disso, os profissionais que ficarem nas 5 primeiras colocações (masculino e feminino) têm suas vagas garantidas no Hawaii no ano seguinte – desde que no decorrer do ano eles completem pelo menos uma prova de Ironman;
2) os amadores competem nestas mesmas provas de Ironman ao redor do mundo e de acordo com suas colocações podem conseguir vagas, em média 20 vagas são distribuídas por evento;
3) existe uma loteria de vagas, sim, sorteio mesmo;
4) existem vagas vendidas no mundo corporativo (por um preço que pode chegar aos 100 mil reais) e por leilão no eBay também – tudo muito caro;
5) existem os Wild cards, que são convidados que a organização julga interessantes, por exemplo, alguma celebridade que pode atrair mídia para a prova, ou pessoas com histórias de vida diferenciadas, tipo algum ex-combatente de guerra, além de atletas cadeirantes que podem ter sua qualificação através de entidades apoiadoras dos para-atletas;
6) Legacy – todo atleta que complete 12 provas de Ironman, independente de colocação, que nunca tenha feito o Ironman do Hawaii e que tenha completado pelo menos um Iron nos 2 anos anteriores, pode concorrer a uma vaga (100 são sorteadas por ano entre estes atletas);
7) existem vagas especiais para militares americanos distribuídas em alguns eventos-chave;
8) também é possível conseguir vagas para o Ironman competindo em provas de 70.3 (Meio Ironman), geralmente umas 4-5 provas nessa distância distribuem vagas para Kona, sendo que o 70.3 do Hawaii sempre tem esse tipo de vaga. Não por acaso, as outras vagas costumam ser distribuídas em eventos de 70.3 na Ásia, visto que a empresa Ironman tem intere$$e nesse mercado. A marca Ironman enxerga o mundo dessa forma: norte americanos (Canada e USA) e europeus já estão conquistados, eles têm dinheiro e muitas provas pra se classificar, africanos e latinos não têm dinheiro, e os asiáticos têm dinheiro mas ainda são minoria entre os atletas.
Isso (aliado ao calendário) resulta que determinadas provas são mais fáceis de se conseguir vaga pra Kona, mas isso daria outro texto.

Mas quem são e de onde são os profissionais do Ironman hoje em dia?
Em 2019, entre os profissionais, 22 países estavam representados no Hawaii, mas essa chamada elite do Ironman é mais representada por 2 países majoritariamente, Estados Unidos e Alemanha. Como a prova surgiu nos USA e acontece em solo americano, faz sentido que 27% das mulheres sejam americanas entre as profissionais, já entre os homens, 23% homens são alemães.
A Alemanha tem 1,1% da população mundial, mas quando se trata de Ironman (principalmente o do Hawaii), eles estão em maioria. Tem até algumas teorias (pouco embasadas) sobre a alimentação deles que seria benéfica para esse tipo de prova (um pouco mais de gordura e menos carboidrato que outros países), mas eu acho que é a cerveja. Independente disso, a questão é que hoje em dia o Ironman profissional é um esporte extremamente europeu (55% dos profissionais este ano em Kona) , sendo que, no Hawaii, a Alemanha manda.
O primeiro pódio alemão foi em 1993. De lá pra cá, olhando somente os Top3 masculinos, 40% são alemães. Olhando todos os Ironmans do Hawaii (desde 1978), a maioria dos Top3 são americanos, mas, considerando a prova após o ano 2000, apenas 4 atletas foram americanos: Tim DeBoom, Chris Lieto, Ben Hoffman e Timothy O'Donnell. E por falar neste último, em 2019 nem ele acreditou na prova que fez, segundo lugar e abaixo de 8h. Até 2 semanas antes de prova ele achava que nem iria largar. Fraturou pela segunda vez um osso do pé poucos meses antes da prova, correu muito tempo somente na água e em esteira (Alter G, que anula boa parte do peso do atleta) e disse que se sua esposa Mirinda Carfrae não fosse competir ele provavelmente nem iria para o Hawaii. Mas como toda família ia para lá, ele se sentiu mal em não honrar o fato de ter conseguido a vaga. Por isso decidiu largar. E fez a melhor prova da sua vida.

Como é o corpo desses atletas profissionais?
As idades este ano variaram de 23 a 45 anos e este é o perfil do profissional de Ironman atualmente (com base em 97 atletas de 22 países):
As alturas entre as mulheres variaram de 157cm (Barbara Riveros, Chile) a 178cm (Caroline Steffen, Suíça), já entre os homens foi de 170cm (Frank Silvestrin, Brasil) até 194cm (Jan Frodeno, Alemanha). Aparentemente uma boa relação peso/altura seria algo em torno de 10kg abaixo da estatura para homens e 12kg mulheres, e analisando somente os Top5 apenas isso permanece. No masculino os primeiros 5 homens tinham em média 1,84m e 74kg, no feminino as Top5 tinham 1,66m e 55kg. (pelo menos corpo de atleta eu tenho, com 1,83m e 72kg, só me falta o resto).

A evolução dos tempos entre os profissionais.
A tabela abaixo traz as médias/medianas de tempos para se ter uma ideia do que é estar nesse nível. Isso nos mostra que é preciso mais ou menos nadar 3800m a 1’20”/100m; pedalar 180km próximo de 40km/h e correr 42km num pace de pelo menos 4’05”/km para “competir” realmente com os homens nessa prova. Já para as mulheres é preciso nadar no máximo a 1’30”/100m; pedalar acima de 35km/h e correr abaixo de 4’20”/km. Não são ritmos altíssimos, mas considerando a duração da prova e o fato das disciplinas serem em sequência, aliados ao calor, umidade e vento havaianos, tornam os valores muito elevados para a maioria dos mortais.

Mas como os tempos vêm caindo ao longo dos anos?
Da década de 80 até hoje mais de uma hora foi diminuída do tempo total de prova e a resposta do motivo para isso é bem direta: as bicicletas evoluíram. Simples assim.
Treinamento, suplementação, tênis, psicologia, número de seguidores no Instagram, etc... bla, bla, bla, muito legal e ajuda, mas a verdade é que esse pessoal de hoje é – no máximo - tão bom quanto eram os Big Four (não estou falando dos Beatles – Big Four do triathlon: Scott Tinley, Dave Scott, Scott Molina e Mark Allen). Estes senhores sexagenários abaixo somam 27 pódios (Top3) em Kona.





Na natação, na década de 80 já tinha gente (masculino e feminino) nadando abaixo de 50' e as melhores marcas dos últimos 30 anos ficam entre 47-49 minutos. É o corpo na água e nada mais, não muda e nem deve mudar a não ser que (re)inventem roupas mágicas, como as banidas da piscina.
Na corrida, os tempos são os mesmos de sempre. Para se ter uma ideia, em 1989 Mark Allen fez a maratona em 2h40' e Dave Scott fez em 2h41’ (mais rápidos que o Frodeno agora em 2019), há 30 anos as marcas ficam entre 2h40’ - 2h42’. Detalhe, os atletas na verdade chegaram a fazer abaixo de 2h40’ na década de 80, mas nos registros isso não aparece porque a prova não era com chip e a T2 ficava computada na maratona. Considerando que a nutrição na prova era precária e eles carregavam bikes de quase 15kg, esses feitos de 30 anos atrás são mais relevantes ainda (e eles não tomavam whey protein, pasmem).
Agora, na bicicleta, se olharmos os melhores tempos da história, todos ocorreram nos últimos 2-3 anos. Em 2011 baixaram pela primeira vez a marca de 4h20', o que foi um marco, mas em 2018 e 2019 os 10 melhores tempos da bike foram abaixo de 4h20 (2019 - média de 4h16') - Alistair Brownlee, mesmo com um furo de pneu, fechou o ciclismo em 4h19'58", quer dizer, o que era recorde 8 anos atrás, virou a norma entre os profissionais em menos de uma década.
É só uma suposição, mas talvez este furo do Brownlee tenha prejudicado um pouco a sua maratona, porque mesmo com a parada ele fez o décimo tempo no pedal. Muito provavelmente ele teria “quebrado” igual na corrida (ele e Lionel Sanders caminharam e conversaram muito), mas talvez ele tivesse um Top10 se não tivesse furado. Alistair Brownlee praticamente empatou na liderança da natação e mesmo com essa parada para pneu furado, ele foi apenas 5 minutos mais lento que o melhor pedal (Cameron Wurf), ou seja, será que ele teria a capacidade de fazer o melhor pedal da prova? Difícil dizer, mas claramente ele sofreu muito com o calor (enfiava a cabeça toda nos toneis de gelo das estações de hidratação) e com o 30º tempo de corrida (3h13’) não teria muito o que fazer.
Uma estimativa histórica semelhante foi feita para mostrar qual a diferença entre Usain Bolt e corredores de elite dos anos 1920-1940. Se fosse possível pegar um atleta daquela época e colocar em uma pista moderna, com blocos de largada, roupa justa e sapatilhas, eles chegariam muito próximos de Usain Bolt, as diferenças que são na casa dos 2-3 segundos cairiam para alguns décimos de segundo.

Mas falando em bicicleta – como foi o Bike count?
Todo ano se faz a contagem das marcas do equipamento de ciclismo de TODOS os atletas que estão em Kona, isso serve como indicador de mercado. A estatística agora contabiliza: quadros, rodas, guidão aero, grupos, pedais, selim, equipamento de hidratação e até marcadores de potência, mas aqui vamos ficar apenas com os quadros. E quando falamos em bicicleta, o atleta amador sempre se espelha nos profissionais. Isso ao mesmo tempo que é infantil, tem uma explicação. Um pouco é imitação, um pouco por confiar na marca, mas sempre que vemos um atleta usando determinada marca fica a dúvida – ele usa porque prefere, porque acha que é melhor ou porque é a marca que ofereceu mais dinheiro para ele? Este ano eu fiz o meu bike count dos profissionais para comparar. O topo da lista não muda há mais de 10 anos, e isso é entre amadores e profissionais. Mas a canadense Cervélo vem perdendo espaço.
A Cervélo domina com muita folga há mais de uma década, em alguns anos o número de Cervélos era superior à soma da 2ª, 3ª e 4ª colocadas juntas. E o que se vê geralmente em termos de tendência é – quando uma marca começa a fazer sucesso entre os profissionais (ou quando alguma estrela surge), aquela marca vai crescer nos próximos 2-3 anos. Exemplo, a Orbea era irrelevante no triathlon, com a aparição do Craig Alexander no final dos anos 2000 (vice-campeão em 2007, campeão em 2008 e 2009), ele ajudou a marca a vender muitas bikes mundo afora (incluindo uma que está aqui em casa). Em 2011 ele venceu pedalando uma Specialized, e com a saída dele do cenário profissional, a Orbea vem caindo ao longo dos anos. Normann Stadler fez isso pela Kuota, Sebastian Kienle pela Scott em uma escala menor (porque a Scott já era uma marca estabelecida). O fenômeno Chrissie Wellington pedalava – Cervélo, o que ajudou mais ainda a solidificar a liderança da marca.
Mas é claro que não se pode ignorar que algumas marcas apresentam grandes evoluções por tecnologia, como a Ventum, enquanto outras marcas são mais estáveis e tradicionais, principalmente entre o público americano, como a Trek e Specialized. O CEO da Ventum afirma que seus quadros não apenas são os mais aerodinâmicos, mas eles foram desenhados para o tipo de vento predominante na prova do Hawaii, ou seja, eles afirmam que fizeram “A” bike para aquela prova, e é uma marca pouco interessada em peso ou beleza, o negócio deles é aerodinâmica. Ventum One IRONMAN 2019 World Championship Edition abaixo.
A Canyon foi fundada em 2002 e é a única marca “nova” entre as Top5 dos amadores. Após a vitória do Jan Frodeno em 2015 a marca teve um crescimento de 350% no Hawaii, e tudo indica que ela deve assumir pelo menos a terceira posição ano que vem entre os amadores, afinal, em 2019 Frodeno novamente venceu a bordo de uma Canyon, certo? E a Cervélo manterá a liderança? Provavelmente sim, até porque se seguirmos a regra da imitação dos amadores – Anne Haug venceu este ano a bordo de uma Cervélo.
Detalhe que eu tenho uma Cervélo por acaso. Eu nunca gostei muito dessas “unanimidades” e nessa época todo mundo tinha Cervélo. Eu ia importar uma Scott Foil em 2011, e o dono da loja nos USA me convenceu a pegar uma Cervélo S2, e me falou: “não vais te arrepender. A Scott é uma marca boa, mas essa Foil ‘ainda não está pronta’, ela deve melhorar nos próximos 2 anos ou sair de linha”. Eu acreditei nele e peguei a Cervélo.

Mas é possível vencer um Ironman na bike?
Sempre se disse que não, principalmente no Hawaii. No final dos anos 90 se cunhou o termo “Über biker”, se referindo aos alemães que poderiam vencer um Iron graças ao seu ciclismo, seguindo a sequência cronológica: Thomas Hellriegel, Jürgen Zäck, Lothar Leder, Normann Stadler e por último Sebastian Kienle. De qualquer forma, sempre se disse que a natação tem pouca importância, a bike contaria bastante, mas a corrida seria o fator determinante.
Mas isso talvez mude nos próximos anos e ao olharmos essas tabelas das colocações por modalidade dos Top5, fica claro que pedalar muito bem é essencial. Cameron Wurf foi Top 5, mesmo perdendo para mulheres na natação e na corrida.
O cenário feminino não é muito diferente. Lucy Charles fez a 11ª corrida (sentiu cãibras desde o primeiro km da maratona), mas ficou atrás do melhor ciclismo por apenas 2 minutos, o que a ajudou muito a se manter no pódio. Para quem não sabe, Lucy Charles hoje nada "pior" do que ela nadava. Ela entrou no triathlon por causa de uma decepção na natação. Nadava em nível olímpico (piscina e águas abertas) e aos 21 anos perdeu a vaga olímpica para Londres por muito pouco. Ao ficar desapontada com o esporte decidiu que precisava de um desafio, e se inscreveu para um Ironman, mesmo sem treinar ciclismo ou corrida. Em seguida conseguiu uma vitória no age group e uma vaga para Kona em 2015, ainda como amadora. Virou profissional e em menos de 2 anos já era considerada uma Top5 mundial nas distâncias Half e Full Iron.
Talvez a corrida ainda seja a modalidade essencial para se vencer esta prova, mas com o passar dos anos a tecnologia mudou isso e fez com que a bike ganhasse muita relevância. Neste caso, um fator que combina condicionamento com tecnologia (dinheiro). Para nós brasileiros isso pesa bastante uma vez que para um europeu adquirir uma bike atualizada é bem mais fácil que para um brasileiro.

Mas o que essas bikes têm de tão especial?
Esse ano vi muitas bobagens, como a bike da Heather Jackson que tinha uma tinta que mudava de cor de acordo com a temperatura. A “moda” dos pedivelas com uma coroa apenas, não sei se isso veio pra ficar, talvez entre profissionais que podem escolher a coroa específica para cada prova.
Mas basicamente o que as bikes possuem hoje em dia de muito melhor é a aerodinâmica, e nessa área o que mais me chamou atenção foram os cockpits das bikes, o guidão aero. Há muitos anos as rodas altas e depois os quadros em forma de asa recebem muita atenção nesse aspecto, mas os cockpits mudaram muito no último ano e as fábricas começaram a fazer os apoios para os braços em peças únicas de carbono desenhadas usando como molde os braços daquele atleta específico, colocaram os apoios mais altos e os braços mais juntos. Isso vale também para as garrafas de hidratação dianteiras, algumas marcas fazem um molde do antebraço do atleta e “imprimem” numa impressora 3D a garrafa que melhor se encaixa naquele antebraço.
E o outro fator que tem toda importância na aerodinâmica é aquela peça que vai sobre o selim – o atleta. E, apesar de não termos como deixar o corpo mais aerodinâmico, mais uma vez estamos falando de $$$$$$ porque os atletas passam horas em túneis de vento tentando achar a posição mais adequada, quem não tem dinheiro se contenta com um bikefit e tenta se esconder do vento.
Nesse aspecto o melhor que um amador pode fazer é perder peso, o que de brinde ainda vai facilitar pra correr e procurar estar bem “encaixado” na bike que for a mais adequada pro corpo dele e pro tipo de prova. É muito comum ver gente que investe muito mais na sua bike do que no seu corpo ou treinamento, e vemos algumas aberrações como atletas que estariam muito mais confortáveis em uma bike de estrada de $$ reais, pedalando em bikes TT de $$$$$$$$ reais numa posição equivocada e batendo com as coxas na barriga. É também o cara que acha caro pagar um bikefit e um treinador, mas investe uma fortuna num par de rodas aero, que rendem bem a 45km/h, mas ele pedala a 32km/h.
E por favor, os gordinhos que não se ofendam, a questão é que, muitas vezes este atleta teria um rendimento melhor na corrida se pedalasse de maneira mais confortável, e isso renderia um tempo melhor olhando a prova como um todo. Até porque as grandes diferenças de aerodinâmica começam a surgir em velocidades mais altas (acima de 35km/h, por exemplo). Se o cara vai lá pra pedalar a 28-30km/h deveria repensar o custo-benefício que envolve conforto, peso e aerodinâmica. Mas o pessoal quer também ficar bem na foto né.
Ou seja, antes de choramingar por não ter o melhor equipamento, avalie se a “sua parte” está OK em termos de composição corporal, bikefit e treinamento adequadamente prescrito.

O forte apelo do triathlon.
Mas em toda essa história de mundial e triathlon, o que eu sempre achei muito apaixonante neste esporte é que – em outras modalidades como a natação, ginástica, ciclismo, corrida, nunca um amador vai poder competir junto ou no mesmo lugar/momento que os ídolos do esporte de alto nível. Mas no triathlon isso é possível, e não apenas numa final como a de Kona, mas nas provas de 70.3 e Ironman mundo afora os meros mortais podem largar “lado a lado” com a elite do esporte. E ainda vemos histórias como a dos Galindez, filho (Thomas) com 23 anos consegue vaga para o Mundial, e o pai (Oscar), com 48 anos e aposentado do esporte profissional pensa: já que meu filho vai pro Hawaii, vou tentar uma vaga no age group para irmos juntos, e lá se vãos os 2 para Kona. O filho fica com a sexta colocação (9h28’) e o pai consegue um segundo lugar na 45-49 anos (8h59’).

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Sydney lifestyle

Para ler o diário dessa viagem:
PARTE 1
PARTE 2
PARTE 3

Sydney Lifestyle
O australiano tem um estilo de vida invejável e com certeza é o que mais me fez gostar do lugar nesses 10 dias em Sydney, me dando a nítida impressão de que “nascemos no lugar errado” como eu e o Felipe mais de uma vez repetimos. A fartura de parques e piscinas, o trânsito totalmente adaptado pro ciclista e outros transportes ativos e o comportamento das pessoas em relação a fazer exercício é completamente diferente de tudo que eu já tinha visto. Até o dinheiro deles é adaptado pro esporte (é de plástico, dá pra ir nadar/surfar com dinheiro no bolso sem problema).
E pra quem fica o dia inteiro na rua se exercitando como eu e o Felipe fizemos é fácil encontrar espalhados pela cidade bebedouros e fontes de água potável para encher as garrafinhas da bike.
E não tem aquela neura de - “e se eu precisar ir ao banheiro?” Todos os banheiros públicos têm papel, água quente, sabonete líquido, são limpos e cheiram bem.
Uma grande diferença que se percebe em seguida - as mulheres australianas praticam esporte. E em alguns esportes elas são numericamente superiores, exemplo, pra cada homem na rua correndo deve ter pelo menos umas 3 mulheres fazendo o mesmo.
De bike não existe diferença, e tanto no ciclismo esportivo quando no ciclismo como meio de transporte, a proporção de mulheres e homens é igual.
Entrei numa loja de ciclismo com o Felipe que era exclusiva para mulheres: vestuário, bikes e acessórios somente para a mulher ciclista.
Na foto à esquerda, o Felipe na loja feminina. Claro que tiramos fotos e explicamos pras atendentes da loja que no nosso país aquela loja fecharia em 1 semana porque no Brasil não existe mulher de bike no trânsito e nem competindo. Elas não entenderam muito bem, mas acharam curioso. É normal no trânsito de Sydney vermos mulheres muito bem vestidas, se locomovendo em bicicletas retrô, daquelas com cestinha na frente, pedalando de bota, Raybanzão e bolsa Louis Vuitton, no meio dos carros. Ao mesmo tempo se chega num local como o Centennial Park e pelas ciclovias vemos grupos de mulheres pedalando forte, treinando mesmo.
A mulher australiana não tem bunda, mas adora mostrar. O comprimento das saias e shorts beira a vulgaridade (não que isso incomode), mas nelas não fica vulgar, mesmo que sempre fique um filezinho de bunda de fora.
É difícil explicar, mas é que é tão comum e a postura delas não é de chamar atenção, diferente daqui. Existem maneiras e maneiras de se usar uma roupa curta. Mas seguido nos perguntávamos: “imagina como seria isso numa brasileira e andando assim no centro da cidade?”.
E a palavra bunda pra eles deve ter algum significado porque eu vi Bunda como marca de boomerang, nome de edifício e também a Bunda Boutique.

Eu acho que lá eu seria considerado quase normal. Eu falo isso porque aqui se eu digo que acordei cedo num domingo pra ir pedalar ou correr, as pessoas olham com aquela cara de quem pensa “qual o teu problema? Domingo é pra descansar, dormir até tarde e não fazer nada”. O brasileiro geralmente confunde lazer com ócio. O legal no Brasil num domingo típico é o cara dormir até tarde e depois encarar os 4F’s - Fórmula 1, Futebol, Faustão e Fantástico. Encher a pança e passar o dia em frente à TV é o lazer preferido por aqui, ou se for verão, ir para uma praia, sentar numa cadeira e ficar torrando ao sol se enchendo de cerveja.
Lá o pessoal se apressa depois do trabalho pra fazer algum esporte e aos fins de semana tá todo mundo na rua se exercitando, muitas vezes em família. As crianças aprendem a andar de bike de forma diferente, eles não usam as “rodinhas” que nós usamos, eles tem bikes sem pedais, a criança senta e se empurra com as pernas e em seguida se equilibra (detalhe pra quem é ciclista, a gurizada já começa com Specialized e Giant).
Mais uma vez, sem ser preconceituoso, mas praticamente não se vê obesos na rua. Os poucos que eu vi traziam consigo uma máquina fotográfica presa ao pescoço, ou seja, eram turistas.
Por ser de colonização britânica, duas coisas que não faltam em Sydney são: Fish & chips e Pubs.
O Fish & Chips é servido ligeiramente diferente do inglês, mas segue sendo peixe frito e batata frita (na Austrália é com bem menos batata). Eles comem muita porcaria, mas a diferença por lá é que se quiser comer coisa boa, é possível. Sempre perto das praias e dos locais de maior movimento existem lojas em que podemos montar salada de frutas, legumes, etc. escolhe o que queres, bota num pote e sai comendo.
Sobre os Pubs. Eles obrigatoriamente têm: telões passando somente esporte (até futebol passa às vezes), cervejas de todos os tipos/cores e uma banda tocando ROCK. É muito bom entrar num lugar em que a gente sabe que não vai ouvir funk, axé, sertanejo universitário, pagode, forró ou similares, a banda toca rock, simples assim. Claro que às vezes eles tocavam bandas australianas que só fazem sucesso por lá, mas algumas coisas que ouvimos essas bandas de pub tocando: Jamiroquai, Kings of Leon, INXS, Maroon 5, Alanis, Eagle-Eye Cherry, Midnight Oil, The Hooters, Men at Work, Nickelback, etc. Normalmente, depois da janta passávamos em alguns Pubs (em dia de semana a entrada é gratuita) até achar um que a banda agradasse mais.
A paz e a ordem dentro dos pubs é mantida por guardas internos e os policiais da rua de vez em quando entram pra dar uma incerta. Eu vi um cara ser retirado do pub porque se empolgou demais pulando na frente da vocalista da banda, e um guarda me disse que eu não poderia ficar conversando na escada porque ali era local de deslocamento e não de conversa. Quer conversar, sobe ou desce, não tranca a escada.
Aqui também não se vê “pitboys” e outras espécies anabolizadas na vida noturna. Sabe aqueles caras com correntes prateadas de cachorro, vestindo calça camuflada e camisetas de golinha V coladas ao corpo, com imensos bíceps tatuados, que ficam em duplas tomando energético com whisky? Não vi isso em Sydney. Acho que por lá eles não se reproduzem em cativeiro, provavelmente os chineses não deixem.


Transporte em Sydney.
Uma das coisas que mais me gerou inveja do pessoal em Sydney é a organização do trânsito e a facilidade para se locomover por lá, mesmo com os traçados das ruas sendo um pouco desordenados. O povo de Sydney se desloca das seguintes maneiras: caminhando, pedalando, de patinete/skate, de carro, moto, ônibus, trem, barco (tanto as balsas grandes quanto “táxis aquáticos” para poucas pessoas) ou de Monorail que é um trenzinho aéreo silencioso, que não polui e que nos faz perguntar por que isso não existe no Brasil em cidades grandes. Esse aeromóvel tem apenas um impacto sobre o ambiente urbano: 1-2 postes de sustentação do trilho a cada quadra, não incomoda ninguém e ainda é bonito, dando um ar futurista ao visual urbano.
O patinete lá não é um brinquedo infantil, vi executivos de terno, gravata e patinete pelo centro da cidade. Crianças indo pra escola de gravata, bike e capacete é bem normal também. Quase não existem motos, aquele enxame de motociclistas que se forma nas cidades brasileiras na sinaleira não existe.
Lá quem anda de moto normalmente são mulheres com pequenas Scooters ou homens com motos grandes, principalmente motos de corrida.
Geralmente em uma quadra no centro da cidade nós vemos uns 5-6 carros estacionados, no máximo 4 motos e muitas bikes presas aos postes ou grades específicas pra isso.
Claro que eles têm um sistema integrado em que se adquire um cartão que permite andar à vontade no sistema de trem-barco-ônibus. Imaginem se, numa cidade que está com trânsito caótico, como Florianópolis, existisse uma rede de barcos ligando norte-sul da ilha e ilha com continente, desafogando a ponte que fica trancada todos os dias das 17-19 horas. Mas no Brasil o lance é reduzir IPI e enfiar cada um no seu carro/moto. Transporte público? Nem pensar, isso é coisa de pobre.
Assim que peguei a bike no primeiro dia eu perguntei pra atendente da loja o que eu não poderia fazer no trânsito. Ela me disse: podes andar em qualquer lugar que um carro anda, mas se a faixa for verde é só tua. Eu vi várias placas indicando: “aqui somente bicicletas - proibido pedestres”.
Faixas de ônibus também são divididas com ciclistas e, em locais de maior movimento, a calçada é dividida por ciclistas e pedestres (tem uma bike e um pedestre pintados no chão) e ninguém se bate ou é atropelado - primeiras percepções de que estamos em um país civilizado.
Detalhe, tudo é ao contrário, como eles usam a mão inglesa isso nos confunde um pouco no início. Mas, além disso, o trânsito nas calçadas é contrário, os freios da bike são invertidos (o que quase causou alguns acidentes), eles nadam pro outro lado nas raias da piscina, etc. no Brasil nem faz sentido falar em “trânsito nas calçadas”, mas como lá bikes e pessoas dividem a calçada, é preciso organização.
A hierarquia deles no trânsito é bem simples e lógica: o pedestre é soberano e sempre tem mais direitos, mas tem deveres, ou seja, caminha ordenadamente, atravessa no local e no momento certos e jamais coloca o pé fora da calçada se não for para atravessar na hora/local certos. A segunda figura mais importante no trânsito é o ciclista. Depois dessas figuras mais frágeis é que estão as motos e os carros, mas só estando lá pra ver o que é ser educado no trânsito (e isso vale para todos os elementos, não só para o motorista).
Ficávamos assustados quando alguém vinha pedalando na nossa frente e simplesmente fazia um pequeno gesto com a mão para indicar que dobraria e nem olhava pra trás, os carros jamais buzinam e sempre param ou diminuem para o ciclista. Ao entrar em rotatórias a gente nem se preocupava, os carros sempre nos davam preferência. A gente conseguia andar colado nos carros estacionados com a certeza que nenhuma porta iria se abrir e mesmo com forte movimento dá pra andar colado no cordão da calçada porque nenhum pedestre vai tentar atravessar se não for na esquina e com o sinal aberto pra ele. Incrível como as coisas funcionam. E nas sinaleiras, se existe ciclofaixa, a sinaleira abre antes com uma luz verde em forma de bike, para que os ciclistas andem. Na foto abaixo, eu e o Felipe na base de uma escadaria para ciclistas (degraus para os pés, rampa para as rodas).
E obra na rua então. Obra no Brasil: 9 da manhã chega a “equipe”, 8 trabalhadores, trancam a rua com cavaletes, montam uma casinha com compensado e puxam um gato do poste. Lanche. 11h chega o seu engenheiro e indica onde eles devem quebrar o chão. Quebram o chão, água pra todo lado. Fim do dia, eles botam uns baldes laranja com uma lâmpada dentro pra indicar a obra, toda aquela areia, barro e pedras espalhadas pela volta. Aí tem um dia de chuva e um feriado pra atrasar a obra. 12 dias depois, eles tapam o buraco e onde tinha pavimento fica uma superfície toda irregular seja ela de pedra, asfalto ou concreto. O que eles fizeram exatamente ninguém sabe, certeza apenas é de que ficou pior do que era antes.
Obra na Austrália: 10 da noite, ruas vazias, mulheres loiras (é sério) indicam que existe uma obra e o trânsito está interrompido, fazem uma escavação com a zona isolada, nada de sujeira, acabam a obra na madrugada e se não acabarem, no dia seguinte o que se vê é esse tapume amarelo, durante o dia nenhum distúrbio para o trânsito.
Outro detalhe, as ruas são limpas (com mangueiras de pressão) durante a noite.
E lá, quando um caminhão vai sair de uma garagem, para não ter perigo de nenhum pedestre da calçada ser atropelado, eles usam uma cerca em sanfona para parar o trânsito da calçada e outra pessoa (devidamente fardada) vai até o meio da rua. Que nem aqui, o cara pede para um parceiro ficar no meio da rua abanando, assobiando e tentando trancar a rua.
Vendo esse tipo de trânsito dá pra ter uma triste certeza - eu jamais verei isso aqui no Brasil. Acho que precisaria de uns 200 anos de renovação cultural pra isso acontecer. Seria mais fácil que de repente toda população de Pernambuco ficasse ruiva do que termos esse tipo de organização por aqui.
Mesmo admirando, às vezes resmungávamos porque a gente chegava numa esquina pra atravessar e o que se faz é apertar um botão que vai ativar nossa sinaleira e dar um apito pra nos dizer que podemos atravessar.
Parece perda de tempo às vezes ficar parado esperando, mesmo que não venha carro, mas é o único jeito de organizar a coisa.

Sydney Population.
A cidade tem uma quantidade enorme de turistas, mas o povo é menos misturado que o londrino (onde tem muito indiano). O australiano original (aborígene) não existe mais em Sydney, 1-2 em algum parque tocando didgeridoo e pedindo dinheiro (mais ou menos como os nossos índios vendendo artefatos de vime nas praças). O aborígene mesmo só existe no interior. O australiano moderno (colonizadores britânicos) é um inglês que foi à praia e aprendeu a escovar os dentes.
É estranho pensar que quando o inglês chegou à Austrália, a minha cidade já tinha 50 anos, ou seja, Rio Grande já existia como cidade e na Austrália só existiam índios, é uma colonização bem nova.
Nada contra, mas chama atenção a quantidade de orientais em Sydney. Ao caminhar pelas ruas mais de 50% das pessoas têm olhos puxados. O chinês e outras línguas orientais são a segunda língua na cidade e é normal lojas com letreiros 100% em chinês.
O governo australiano acabou de lançar um programa que visa ensinar para crianças australianas na escola pelo menos uma língua oriental. Às vezes eu parava na esquina para atravessar a rua e olhava à minha volta, 20-30 pessoas e somente eu não era oriental. O fumo é muito comum entre os orientais, principalmente os mais jovens. Mas nas praias não pode fumar, já pensou em tentar aplicar alguma lei anti-fumo em praia brasileira?
Muitas pessoas nas ruas andam com fones e vendo vídeos/tv no Iphone (eles praticamente não usam outro telefone). É estranho porque todo mundo anda sozinho conversando, normalmente naquelas línguas que nós ocidentais achamos graça com frases como “piao niiii miaaaaau” . E eles usam muito o recurso Face Time que faz a ligação com imagem, então o pessoal caminha olhando para o telefone e “falando sozinho”.
Independente da origem, a população é extremamente cordial e sempre disposta a ajudar. Duas vezes aconteceu de estar em uma loja com o Felipe e comentar que iríamos sair dali e procurar outra loja (quando andávamos pelas lojas de bike pra conhecer) e o funcionário de loja entrava no Google Maps sem a gente pedir e vinha com um mapa impresso nos mostrando como ir da loja dele até o seu concorrente.
A gente vê bikes encostadas em postes, cachorros de raça com a coleira somente enrolada um banco enquanto o dono entra numa loja. As revistas que o morador assina, o carteiro deixa no muro da casa e ninguém pega.
Em alguns supermercados existem os caixas self-service, nós mesmo passamos as compras por um leitor de barras, ensacamos e passamos o cartão (imagina isso no Brasil). Não existe a certeza de que seremos roubados/enganados como existe por aqui.
Mais de uma vez aconteceu de eu me confundir com a nota de 10 e a de 100 dólares no comércio, o atendente percebeu e me corrigiu, se tivesse me roubado eu não teria percebido.
Apesar dessa quantidade enorme de chineses pelas ruas ser meio inesperada, essa “segunda colonização” dos orientais deve ter colaborado pro que se tem hoje em Sydney. Mesmo com todo mal ao aborígene que os ingleses causaram, dizimando os nativos, levando doenças, etc. o fato da organização britânica estar presente por lá resultou num lugar ordenado e, misturando isso com a seriedade dos orientais parece ter dado certo em termos de convivência social.
Muito engraçado é quando se fala com brasileiro que está morando na Austrália e comentamos: "cara, isso aqui é um paraíso" e eles nos asseguram que realmente é. Essa impressão que o turista tem, e que na maioria dos lugares desaparece com a rotina, parece que lá é a realidade. Tem muita gente que chega, se apaixona pelo lugar, fica e cada vez gosta mais de viver num lugar assim.
Não conheço quase nada do mundo, meia dúzia de países na verdade, mas já entendi a diferença do "primeiro mundo" para o "resto do mundo". Mas nem todo primeiro mundo é tão atraente, principalmente pelo estilo de vida, que combina com o meu. A Finlândia é primeiríssmo mundo, mas quem quer viver tapado de neve e com 3 meses de noite? A Inglaterra é primeiro mundo, mas é cinza. No Brasil não faltam belezas naturais, mas esse meu povo parece não ter jeito e a maioria das coisas que reclamamos de ruim no nosso país são fruto do que somos (ou de onde viemos, seria a culpa dos portugas?).
Mas enquanto isso, a gente vai indo e de vez em quando se dá uma escapada pra conhecer e invejar essas terras estranhas.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Marlos Going Down Under - Parte 3.

Para ler as partes 1 e 2 da viagem:
PARTE 1
PARTE 2
Dia 7 - 02/11:
Mais um dia de Congresso. O congresso em si me decepcionou um pouco. De certa forma, achei que muitos trabalhos apresentados não mereciam o status de estar num congresso mundial (deve ter sido por isso que um trabalho meu ficou entre os melhores). Espero que na próxima edição que organizaremos no Rio consigamos elevar o nível científico das sessões. Apesar dos mais de mil inscritos de mais de 50 países, em alguns momentos eu tive a impressão que houve pouca procura do evento (talvez por ser num lugar que é longe de tudo como a Austrália) e encherem muito da programação somente com gente australiana. Não que eles não sejam bons, mas eu esperava ver uma globalização maior e principalmente um nível mais alto de profundidade científica em muitas sessões.
Mas de manhã combinamos (eu, Sapinho e Marcelo) de ir conhecer a piscina do Ian Thorpe, que é ao lado do local do congresso. Ao meio-dia, após a manhã no evento, demos uma escapada para nadar um pouco e conhecer a piscina do “Thorpedo”, o Ian Thorpe Aquatic Centre. Eu imaginava que fosse algo bem comercial, explorando a figura dele, com muitos souvenirs do cara, mas não é nada disso. Trata-se de um complexo aquático (3 piscinas e sauna) que se paga para usar por dia ou mês. Apenas uma foto enorme do Ian Thorpe na entrada e uma lojinha da Speedo vendendo material básico de natação. Nem a estátua do Madame Tussaud do Ian Thorpe fica na piscina dele. Pra usar a piscina, paga-se o equivalente a 12 reais e se tem acesso livre por um dia, das 6:00 às 21:00 (ou quem paga por um mês, paga o equivalente a quase 200 reais).
Todas as piscinas da Austrália têm placas nas raias indicando a velocidade (rápida/média/lenta) e o tipo de nado (somente crawl ou qualquer nado) praticado naquela raia. Mas não quer dizer que eles respeitem muito isso. Além dessas, sempre existe uma raia para recreação e pelo menos uma raia em que tem aula de natação. É uma piscina pra quem quer realmente treinar, água a 27 graus, 50m, 8 raias, aproximadamente profundidade de 1,70m de um lado e 2,50m do outro. E claro, eles nadam ao contrário (vão pela esquerda e voltam pela direita). No banheiro, secador de cabelo e pés, sabonete líquido, etc.
Na hora de comer, antes de voltar pro Congresso, eu dei uma passada pelo Hard Rock Cafe Sydney (ao lado do congresso) só pra olhar as relíquias que eles guardam, alguns itens bem interessantes do Van Halen, Pink Floyd, INXS, Aerosmith, Red Hot Chilli Peppers, Stones, etc.
De tarde no congresso eu apresentei um pôster e ao encerrar fomos (eu, Marcelo e Felipe) para a torre de Sydney Sydney Tower Eye de onde se enxerga toda a cidade. Queríamos ir nessa hora para ver o anoitecer, podendo ver a cidade de dia, o pôr do sol e de noite.
Janta não lembro onde foi e depois uma passada nos pubs atrás de uma boa banda.

Alguns locais visitados: Ian Thorpe Aquatic Centre, Sydney Tower Eye

Dia 8 -03/11:
Último dia do congresso.
Tive a minha apresentação oral de manhã, o pessoal gostou bastante e foi esse o trabalho indicado ao prêmio de melhor do evento. Saí do congresso perto das 11h e fui com o Felipe pegar nossas bikes de estrada para o evento do dia seguinte. Fomos de ônibus até a loja (linha 339, da Central Station até Clovely), pegamos as bikes e conhecemos Clovely Beach (mais um dia nublado em praia pra acabar com as nossas fotos).
Mais uma piscina pública à beira-mar e uma escola de salva-vidas. E uma praia que não tem nem 100m, uma mini-baía de água azul cercada de pedras, lindo o lugar.
De tarde tínhamos a apresentação do Pedrinho para anunciar ao mundo sobre o nosso evento no Rio em 2014 e o encerramento oficial do congresso. Fim do evento e agora era esperar pela janta de encerramento. No fim da tarde fui dar uma nadada na piscina do Ian Thorpe com o Marcelo e de lá fomos direto para o Centro de eventos para a janta. Eu sem cueca, estava de sunga por baixo pra nadar, e esqueci de levar cueca, mas num evento social ninguém repara nisso.
Os australianos queriam mostrar tradição e ao abrirem as portas do local do jantar fomos recebidos com a música “Down Under” do Men at Work em alto e bom som. A comida estava boa, mas era naquele estilo francês, com pratos de 100g, e o vinho australiano é bom. Digamos que a razão comida/vinho estava pendendo muito para o lado do vinho. Não que tenhamos bebido demais na janta, mas talvez tenhamos comido de menos, ainda mais para quem tinha que pedalar às 6 da manhã do dia seguinte.
Saímos uma turma grande da janta rumo aos pubs. E as pessoas perguntavam pra mim e pro Felipe - “vocês vão pedalar mesmo amanhã de manhã?”. Claro que sim, hahahahaha.
Bom, caminhamos muito pela cidade e alguns pubs travam entrada quando enchem, outros estavam cobrando (porque era sábado) e seguimos procurando algum eu fosse de graça (não achamos). No caminho, naquelas combinações “eu vou ficar nessa esquina e esperar os outros, depois a gente alcança vocês”, acabamos “perdendo” o Felipe, que indo atrás de nós acabou entrando sozinho no Pub dos Macacos.
Pagou, entrou, fez xixi e saiu porque não achou ninguém. Foi pro hostel sozinho dormir. Eu acabei entrando num pub com a Valerie (que é americana, mas passou um tempo em Pelotas) e com 2 caras da república Tcheca. Um outro americano e 2 colombianas que estavam com a gente entraram também, mas tiveram que sair em seguida. Depois de girar um pouco, perder alguns e reencontrar outros, me certifiquei que o Felipe estava mesmo no hostel e fui me deitar. Acho que eram 3:30 da manhã mais ou menos. Tínhamos combinado de sair no dia seguinte antes das 6:30 para a pedalada de 90km até Wollongong.

Alguns locais visitados: Clovely Beach, Burrows Park, Ian Thorpe Aquatic Centre.

Dia 9 - 04/11:
The Gong Ride.

Este dia merecia um post em separado, mas serei breve.
Antes de ir pra Austrália nós ficamos sabendo que no domingo (último dia em Sydney) haveria uma pedalada para levantar fundos para pesquisa da esclerose múltipla - o Gong Ride. Alguns amigos que moram lá nos aconselharam a participar do evento. Eu me inscrevi antes de irmos e o Felipe não estava a fim de pagar e iria “no bolo”, mas sem registro.
Não é exatamente uma prova, não se compete, não existem vencedores, na verdade é uma “festa” em que 10 mil ciclistas saem do centro de Sydney, descendo 90km em direção sul, chegando a Wollongong.
Coloco aqui 2 imagens, uma do trajeto geral da prova com as estações e uma da altimetria do trajeto.
O primeiro trecho do trajeto é urbano/estrada, depois pegamos um trecho dentro do Royal National Park (floresta fechada com fortes descidas e subidas) e o último trecho é feito costeando várias praias e pequenos parques à beira-mar. A cada 10 minutos eu e o Felipe dizíamos um pro outro: “cara, olha isso aqui, essa casa, esse lugar, imagina morar aqui”.
Dentro do Royal National Park, antes das descidas mais fortes, um grupo de motos tranca a estrada, espera formar pelotões de 300 ciclistas mais ou menos e desce sem que ninguém ultrapasse as motos, para evitar os malucos ultrapassando os 90 km/h e perdendo o controle.
Não tem muito como descrever isso, talvez filmando tudo e editando depois, como esse cara fez - .
Não existe uma largada oficial com todos os atletas porque não é fisicamente possível agrupar 10 mil ciclistas. O ponto de largada é o Sydney Park e o pessoal começa a largar por volta das 6 da manhã e vai largando continuamente por mais de 3 horas.
O público é o mais misturado possível.
A gente vê pais com filhos, famílias inteiras, turmas de escola uniformizadas com seus professores, bicicleta com cestinha levando cachorro, pai com cadeirinha levando criança pequena, grupos de “senhoras” com bikes tipo Caloi Ceci. Pra quem não está com pique pra encarar os 90km, existe um segundo ponto de largada de onde quem larga completa 56km. Ao longo do trajeto existem várias paradas com pequenos lanches, água, banheiros químicos, assistência mecânica pras bikes nesses pontos e em motos pelo percurso, e o povo vai pra rua bater palma. No Brasil pedalar 90 km é coisa pra gente louca, lá é uma atividade familiar e comunitária.
Eu e o Felipe saímos do hotel mais tarde do que o esperado, e o nosso parceiro brasileiro que mora lá já tinha largado. Confesso que na primeira hora de pedalada eu senti um pouco o peso por causa do vinho da noite anterior. Quando começamos a pedalar vimos que, mesmo largando quase 2 horas depois do início da largada, o pelotão era muito embolado, de vez em quando conseguíamos pedalar de verdade, mas nos primeiros 20km tivemos que andar no bolo, bem devagar e parando nas sinaleiras.
Quando chegamos à estrada mais afastada do centro e as primeiras subidas começaram é que conseguimos pedalar um pouco mais. Como quase ninguém é atleta no evento, pra nós dois foi pedalar 90km ultrapassando gente. É sério, repito, que a quantidade de gente pedalando é algo que não tem como descrever, só estando lá. Imaginem que uma bike ocupa por volta de 3-4 metros, se fizéssemos uma fila indiana com todas as bikes seria algo em torno de 40-50km de comprimento de fila, é muita gente.
O Felipe tava preocupado no início porque começou a fazer as contas e achou que não fôssemos conseguir acabar a prova, voltar de trem e entregar as bikes alugadas a tempo. Mas a média começou a subir e nem tínhamos o que fazer mesmo, agora era ir em frente e aproveitar.
Do Km 40 em diante começamos a ver alguns ciclistas que largaram bem cedo e estavam fazendo o trajeto de volta (iriam fechar 180km).
Ao chegarmos a Wollongong, novamente nos apavoramos com a quantidade de gente. O pessoal ia chegando e colocava as bikes nuns racks pra ir pegar comida, tirar fotos, etc. é um mar de bike e gente e claro que ninguém se preocupa se vão roubar as bikes. Para muitos a pedalada era um desafio e tinha gente bem acabada, recebendo massagem e muito cansados.
Diversos grupos fizeram até uniforme para o evento e estes grupos faziam campanha para arrecadar verba, uma vez que o evento é beneficente. Nós 2 estávamos preocupados em ver como iríamos voltar de lá.
Peguei um “almoço” que tinha direito pela inscrição e dividi com o Felipe, em seguida fomos numa barraca e pegamos as pulseirinhas que nos davam direito a embarcar no trem pra voltar pra Sydney. Saíram trens em horários especiais para levar o pessoal de volta. Entrava ciclista e bike nos vagões para um trajeto de 1h40 até a Central Station de Sydney. Descemos na estação, fomos no meu hotel pegar tênis e seguimos para a loja devolver as bikes.
Tudo certo, com tempo de sobra. Volta de ônibus (na foto, o Felipe na parada depois de entregar as bikes - detalhe, na parada, livros para quem está esperando o bus ficar lendo).
No fim do dia fomos dar a última caminhada pelo The Rocks. No caminho encontramos alguns do grupo que nos avisaram que a janta seria com todo o grupo, numa pizzaria em Darling Harbour. Jantamos e fomos ao Cassino de Sydney ver gringos perdendo uma grana alta.

Alguns locais visitados: Wollongong, Royal National Park, inúmeras praias no trajeto, Stuart Park e fim de tarde no The Rocks assistindo um transatlântico ir embora da cidade em frente ao Opera House.
No dia seguinte, viagem de volta, encarando um dia com 40 horas de sol por causa do fuso horário e assistindo a 2 amanheceres, saindo de Sydney 11:30 da manhã, voando 12 horas e chegando a Santiago no Chile às 9:30 da manhã, do mesmo dia.

Somando tudo que pedalamos na Austrália, fizemos estes trajetos das fotos (um geral e outro em mais detalhe de Sydney mesmo), contabilizando um total aproximado de 400 km, quase 4 mil metros de ascensão em mais de 20 horas de pedal. Gastamos com aluguel de bikes 190 dólares. Depois nos demos conta que poderíamos ter comprado uma bike com esse valor. Mas tudo bem, valeu muito a pena cada dólar.

Apesar da falta de sol em vários dias, pelo menos não choveu e foi tudo muito bom. Na volta dá até certa tristeza, não só pelo retorno ao “mundo real”, mas também porque a gente fica pensando em como seria viver num lugar como aquele onde as coisas funcionam, se respeitam as leis, as pessoas são educadas, não se vive constantemente pensando que alguém vai te roubar. Quando voltei da Inglaterra (fiquei 2 semanas entre Oxford e Londres) tive aquela impressão “nossa, como o primeiro mundo é legal”, mas nunca tive vontade de viver na Inglaterra. Totalmente diferente da Austrália onde me senti muito à vontade e tenho certeza que me encaixaria naquele estilo de vida facilmente.

Só um esclarecimento sobre essa viagem que se faz necessário após alguns comentários equivocados. Apesar da viagem ter sido feita para um evento científico, não recebi da universidade NENHUMA ajuda financeira para custear a viagem. Assumi as despesas com: passagens, estadia, alimentação e inscrição no evento. Falo isso porque mais de uma vez eu ouvi - “que maravilha, Austrália, com tudo pago pela universidade...” e realmente foi tudo pago, mas eu mesmo paguei do meu bolso (em 12 vezes).

Próximos posts pra encerrar a série Austrália - Meios de transporte em Sydney e o Estilo de vida do pessoal na cidade.