Mr. Domingues

Sempre ouvi que escrevo demais, e-mails longos, cartas intermináveis para namoradas, nunca consegui usar Post-it, enfim, bem ou mal eu gosto de escrever. A intenção é que isso aqui sirva como uma "descarga mental" onde comento fatos, acontecimentos e pensamentos, na verdade, tudo que me der vontade. Sabe quando se vê um filme, lê um livro ou algo no jornal e ficamos com vontade de discutir com alguém sobre o assunto? É pra isso que esse espaço serve, assim eu incomodo menos quem está à minha volta e começo a incomodar anônimos internet afora que queiram ser incomodados. Mas é claro que não vou fugir muito dos meus hobbies, interesses pessoais e profissionais, como saúde, atividade física, esporte, tecnologia e música.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A quarta modalidade.
Nadar, pedalar, correr... e comer.
Em resposta a comentários e e-mails sobre provas de longa distância, escreverei algumas linhas sobre a alimentação durante uma prova como um Meio Ironman (ou Ironman 70.3). Por favor, não sou nutricionista, sou apenas um curioso na área e alguém que já viveu a situação várias vezes e esteve ao lado de atletas durante Ironmans. A informação contida aqui é válida principalmente para quem vai se aventurar pela primeira vez nas provas mais longas, não esperem um plano nutricional avançado.
Sprint triathlon - dá pra fazer só com água numa boa. Olímpico - é necessário ingerir algum líquido/gel carboidratado. Acima da distância olímpica - comer torna-se tão importante quando nadar, pedalar ou correr, torna-se a quarta modalidade.
É comum um triatleta dizer “puxei demais na bike, depois não consegui correr” OU “era pra ter ido mais forte na bike, sobrou energia”. É uma linha tênue entre forçar demais ou de menos, e talvez o aspecto mais difícil de se achar o ponto certo seja a nutrição. Comer demais é ruim, comer de menos é pior ainda. Acertar o que/quando/quanto comer leva um bom tempo e requer autoconhecimento.
Numa conversa com o Armando Barcellos antes do Ironman de 2003, a resposta dele sobre nutrição foi a mais simples e a mais correta para a pergunta “o que comer durante a prova?”: rapaz, basta comer exatamente o que você está acostumado a comer nos treinos, não inventa moda. Mas infelizmente muita gente teimosa continua treinando sem comer, ou seja, não treina a alimentação.
O quanto uma pessoa consegue ingerir varia muito, alguns sentem peso estomacal até com gel, outros conseguem correr comendo um sanduíche, por isso não existem receitas fechadas, mas algumas dicas valem. Matematicamente, basta que numa prova longa se faça ingestão média de 50g de carboidrato por hora. Falei grego né. Vamos a algumas coisas práticas então.
1) jamais esperar sentir fome ou sede para se nutrir, a melhor maneira de se evitar isso é traçar um plano e manter-se nele. Para não ter perigo de errar, uma sugestão: imprimir num papelzinho quando e o que será ingerido, deixando esse lembrete à vista (colado no guidão ou no quadro - exemplo na figura).
Isso evita que se chegue ao km 20 da bike sem perceber que já se passou mais de 1h de prova e quase nada foi ingerido. Esse roteiro deve ser seguido assim: o que está ali é obrigatório, mas se entre uma coisa e outra sentir vontade de beber, beba, principalmente água. Essa flexibilidade é muito importante em dias quentes. Lembro que a imagem é apenas um exemplo.
2) a maior parte da alimentação será no ciclismo. Caso a intenção seja ingerir algo sólido o ideal é dividir o tempo (ou a distância) de pedal em 3 e concentrar os sólidos no terço intermediário. Por que isso? Porque no início do pedal estamos em adaptação e o melhor é ficar no líquido/gel. E se deixarmos para ingerir algo sólido no último trecho do ciclismo, corre-se o risco de iniciar a corrida pesado e até mesmo sentir vontade de vomitar.
3) é obrigatório ingerir algo sólido? Teoricamente não. Mas aí entra de novo a questão do que foi usado nos treinos longos que combinaram ciclismo e corrida. Além disso, algumas pessoas após ingerir muita coisa doce começam a ter um reflexo de vomitar o doce, necessitando de algo salgado, geralmente sólido.
4) o que comer/beber? Água, isotônico líquido e gel de carboidrato são certos para todos, depois disso começa a experimentação pessoal: banana passa, mariolas, barra de proteína, club social (o único salgado que consigo ingerir na hora), e para Ironmans eu recomendo experimentar também sanduíche de batata (pão de forma branco recheado com purê de batata levemente salgado). E eu sempre levo chiclete de menta porque caso eu comece a ter sinais de enjoo, um chicletinho ajuda. A Coca-cola é polêmica, mas muito usada, e alguns adoram porque o gás ajuda a arrotar, diminuindo desconforto estomacal. Nutricionalmente não é o ideal, mas na hora funciona para muitos.
5) teoria Vs. prática: já passei pela situação num Ironman de precisar comprar uma empada de galinha num bar porque o atleta precisava de algo mais “pesado e salgado”. Era o que ele queria na hora. Parece absurdo, mas todo plano alimentar está sujeito a falhas e muitas vezes o “desejo” por alguma coisa ou a repulsa por outras é que vai mandar. Se na bike você tem 6 gels, e no terceiro está repunado, não convém forçar, mesmo que esse seja o plano original. É perigoso simplesmente abandonar o carboidrato e ficar só na água, mas se existe o risco de vômito pode ser melhor esperar o enjoo passar ou surgir algo diferente. No Ironman, por exemplo, após certa hora já vi servirem caldo de frango morno em copo. O pessoal diz que desce redondo.
6) nunca é demais repetir: experimentar “comidas novas” no dia da prova pode ser um desastre, só use o que foi testado em treinos. Existe apenas uma coisa pior do que experimentar comida diferente no dia da prova - experimentar um tênis novo. Se você não estiver desesperado, as comidas fornecidas durante a prova só devem ser aceitas se foram testadas antes.
7) no dia, fórmula básica: café da manhã aproximadamente 2h30’antes da largada (pra quem for dormir em hotel, lembrar de comprar o café da manhã porque muitas vezes o horário do café servido no hotel não se encaixa com o horário da prova); 2-3 visitas ao banheiro; um gel de carboidrato 30 minutos antes da largada; aquecimento de 5-10 minutos na água; xixi 2 minutos antes de largar e começar a pensar que se fará um “treino longo”. A natação passa muito rápido e daí em diante é sair pra dar uma pedalada de quase 3 horas, comendo e pensando na vida. Depois é começar a correr/caminhar com o que sobrou de energia. Cuidado para não planejar a hidratação muito baseado no fornecimento da prova. Os problemas de organização mais comuns são: falta de água ou depois de algum tempo só ter água morna nos postos de hidratação. Água morna em dia quente = dor de barriga.
8) e depois? é normal não sentir fome logo após uma prova (ou treino) longa, normalmente isso é sinal de desidratação leve. A fome virá em menos de 2 horas e vai ficar instalada no corpo até o dia seguinte. Ao cruzar a linha de chegada, tome muita água e coma alimentos oferecidos, como frutas e bolachas, mas não exagere, 2 frutas e 3-4 copos d’água enquanto se tira a bike da transição já são suficientes. 1h depois disso já estamos liberados para comer como mendigos que estão sem comer há dias. É mais ou menos assim que as pessoas nos restaurantes nos olham após uma prova dessas. Pele queimada, corpo pintado com o número, rosto cansado, um leve sorriso ébrio e uma sucessão de 3-4 pratos cheios. Passe o resto do dia com uma garrafa de água à mão. Depois disso é só começar a planejar pra prova seguinte, vendo o que foi feito de certo e errado em relação à alimentação. Anote tudo e escreva comentários para recorrer a essa informação no futuro. E quem sabe, passar adiante o conhecimento para quem pretende cometer a mesma loucura pela primeira vez.

5 comentários:

  1. Simplesmente o melhor texto que vi na net sobre alimentação em provas longas, ele veio em boa hora pra mim, parabéns e abraço Marlos

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  2. Realmente uma aula, isso não é um blog é um curso online.

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  3. Excelente Marlos!! Sanou todas minhas dúvidas, e olha que não eram poucas hehe. Agora é continuar testando para não errar no dia da prova.
    Abração

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  4. Olá, me chamo Daniela e sou nutricionista de Florianópolis e trabalho com alguns atletas de triathlon e estava procurando um depoimento de um atleta tb para mostrar para uma de minhas atletas que irá fazer seu primeiro 70.3 e ano que vem irá fazer o Ironman.... como tb sou da organização do evento (coordenadora da Transição) concordo muito com o seu texto. Enfim, gostaria de dizer que seu texto está muito bem escrito e vou usar uma frase se você me autorizar, que é a seguinte: a alimentação é a quarta modalidade! Já falei isso de várias formas, mas essa realmente é a melhor! Muito bem descrito o seu texto, é exatamente o relato que vejo dos meus atletas! E o sanduíche de batata tb pode ser somente a batata cozida com sal ou de aipim tb, já testei e deu certo!
    Forte abraço e sucesso!

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  5. Daniela, fica à vontade pra copiar e usar qualquer frase do texto. Quando a gente bota na net quer mais é que as coisas se espalhem.

    Abraço

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